Filmes sobre amor que ninguém te recomendaria
Pelo menos não na semana do Dia dos Namorados.
Na quinta-feira foi Dia dos Namorados e o que mais se vê por aí, nas páginas e vídeos relacionados a cinema, são indicações de filmes que já se tornaram quase clichês para recomendar nessa data, 500 dias com ela, La la land. Diário de uma paixão, entre outros.
Gosto de todos esses exemplos e acho que quem não viu deveria ver todos eles, mas se você está aqui, lendo uma coluna de cinema num domingo de manhã, provavelmente já deve ter visto todos eles pelo menos uma vez.
Então, hoje tentaremos fazer algo diferente, recomendando filmes que falam sobre outras fases e outras faces do amor.
Phoenix (2014, Christian Petzold)
Deixar você ir
Não vai ser bom, não vai ser
Bom pra você, nem melhor pra mim
Pensar que é só
Deixar de ver e acabou
Vai acabar muito pior
Pra que mentir e
Fingir que o horizonte
Termina ali defronte
E a ponte acaba aqui?
Vamos seguir
Reinventar o espaço
Juntos manter o passo
Não ter cansaço
Não crer no fim
Nas últimas semanas fiquei simplesmente fissurado nessa música do Gilberto Gil e aí, pensando sobre os filmes que colocaria nessa lista, percebi como Phoenix é um filme que conversa com essa música.
No filme, dirigido pelo maravilhoso Christian Petzold, conhecemos Nelly, uma mulher que teve seu rosto desfigurado nos campos de concentração e que retorna a Berlim, pós-bombardeio, em busca do seu marido e quando finalmente o encontra, ele não a reconhece e Nelly passa a fingir ser outra pessoa somente para ajudar o homem a pegar parte da herança da esposa que acredita estar morta.
Tanto a música do Gil quanto Phoenix carregam esse tom de fim, mais do que isso, carregam a sensação de que esse fim, mesmo que doloroso, não é o fim definitivo da vida, porque os fins também carregam novos começos, recomeços.
São finais que reconhecem que o existir também foi bonito, apesar das feridas que foram abertas, pois é impossível sequer existir sem feridas abertas.
Alguma dor, talvez sim
Que a luz nasce na escuridão
Se Gil termina a música com essa pedrada, o filme também termina com uma das cenas mais fortes e poéticas do cinema recente.
We Live In Time (2024, John Crowley)
não é minha morte que me
preocupa, é minha mulher
deixada sozinha com este monte
de coisa
nenhuma.
no entanto
eu quero que ela
saiba
que dormir todas as noites
a seu lado
e mesmo as
discussões mais banais
eram coisas
realmente esplêndidas
e as palavras
difíceis
que sempre tive medo de
dizer
podem agora ser ditas:
eu te
amo.
Como é que a gente deixou que esse filme passasse tão batido do jeito que passou?
Eu até me esforcei para que as pessoas dessem uma chance a ele, mas não adiantou muito, enfim...
We Live In Time é uma mistura de romances mais classudos, como dificilmente vemos hoje em dia, com discussões mais atuais. Como eu adoro taxar as coisas, é quando As Pontes de Madison encontra Vidas Passadas.
No filme, a chefe de cozinha Almut descobre um câncer terminal e a partir disso acompanhamos a sua história com Tobias, até chegarem ao fatídico momento final de sua doença.
A história não foge do melodrama e que bom, porque isso faz falta ao cinema atual, ao mesmo tempo, em que apesar de ter certa melancolia, o filme consegue carregar muito bem a mensagem de que o que de fato importa é o que está sendo vivido no agora.
Acho que o que mais me encanta no filme é a maneira que consegue falar sobre como somos indivíduos antes de sermos uma única parte dentro de uma relação e que não precisamos abrir mão do romantismo por conta disso.
É um filme que só poderia existir no tempo em que vivemos.
Cinzas no Paraíso (1978, Terrence Malick)
Não te amo como se fosses rosa-sal, ou topázio,
ou a flecha de cravos que o fogo dispara.
Amo-te como certas coisas escuras são amadas,
em segredo, entre a sombra e a alma.
Amo-te como a planta que nunca floresce
mas carrega em si a luz de flores escondidas;
graças ao teu amor uma certa fragrância sólida,
nascida da terra, vive obscuramente no meu corpo.
Amo-te sem saber como, ou quando, ou de onde.
Amo-te diretamente, sem complexidades ou orgulho;
por isso te amo porque não sei amar de outra forma
senão assim: onde eu não existo, nem tu,
tão perto que tua mão no meu peito é minha mão,
tão perto que teus olhos se fecham quando adormeço.
Cinzas no Paraíso é uma verdadeira ode visual ao amor, principalmente ao amor que não pode ser vivido e por isso acontece muitas vezes na penumbra ou no pôr do sol.
Em 1916, Bill, um trabalhador de Chicago, mata o chefe da usina siderúrgica em que trabalha. Ele foge para o Texas com sua namorada Abby e sua irmã mais nova, Linda. Para evitar fofocas, Bill e Abby fingem ser irmãos e são contratados como parte de um grupo sazonal para trabalhar nos campos de trigo de um rico fazendeiro, o qual descobre estar morrendo de uma doença não identificada. Quando ele apaixona-se por Abby, Bill encoraja sua namorada a casar-se com o fazendeiro para herdar seu dinheiro.
É um filme que definitivamente brinca com a percepção do espectador, graças a percepção de amor que o próprio Terrence Malick parece ter, mesmo que fosse tão moderna pra época, ora vilanizando seus protagonistas, ora fazendo com que você os entenda, afinal são personagens que estão de alguma maneira lutando pela própria sobrevivência e que precisam abrir mão do que sentem muitas vezes, para que possam se manter vivos.
Talvez você tenha olhado para o nome do diretor e pensado em algo mais reflexivo, tal qual Árvore da vida, que provavelmente é seu trabalho mais conhecido, mas Cinzas no Paraíso, apesar de ter sim seus momentos reflexivos, é um filme muito pulsante que carrega essa chama de algo que mesmo que proibido, parece implorar para acontecer em cada uma das cenas em que os dois protagonistas estão juntos.
Once (2007, John Carney)
Você já sofreu bastante
E entrou em guerra consigo mesmo
Está na hora da sua vitória
Suba neste barco naufragante e o guie para casa
Ainda temos tempo
Eleve sua voz esperançosa, você tem escolha
Você fez a sua agora
A sensação é que eu poderia ficar assistindo horas e horas do Glen Hasard cantando músicas tristes pelas ruas da Irlanda.
No primeiro filme de grande destaque do John Carney, acompanhamos a história de um músico de rua que conhece uma imigrante tcheca e ambos passam a se conectar através da música.
O filme carrega uma abordagem naturalista, tanto na fotografia, de maneira que parece uma gravação quase amadora do que está acontecendo, tanto na forma com que os atores se comportam, fazendo parecer que se a gente for para a Irlanda agora, vamos encontrar algum dos personagens pelas ruas.
Diferente dos amores dos outros filmes citados nessa lista, o amor aqui se constrói, pelas circunstâncias difíceis que os dois vivem, mas também por serem companhia um para o outro, não só pela música, mas por serem companhia.
Eu amo como a vida simplesmente acontece nos filmes do John Carney.
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