Ridley Scott é sem dúvidas um dos cineastas mais importantes da história do cinema, responsável por clássicos como Alien (1979) Blade Runner (1982) Gladiador (2000) o diretor nunca teve uma marca visual tão bem registrada como a sanguinolência de Quentin Tarantino ou das cores frias de David Fincher, mas sempre se destacou justamente pela capacidade de se adaptar de formas diferentes em cada um dos seus projetos.
Em seu primeiro filme, que iremos comentar hoje, vemos seu primeiro contato com as histórias medievais nas telas e todo seu fascínio pela ideia de honra, duas coisas que seriam recorrentes ao longo de sua carreira.
Dois oficiais do Exército de Napoleão, D'Hubert e Feraud, passam as horas de folga desafiando um ao outro para duelos sangrentos. Depois de 16 anos de duelos sem nenhum sinal de trégua, os dois têm um confronto final.
De maneira surpreendente, já que falamos de uma obra lançada em 1977, Os Duelistas é um filme que busca aos poucos desconstruir a ideia de honra, tanto de maneira interna, demonstrando as episódicas lutas entre D'Hubert, vivido pelo ótimo Keith Carradine, e Feraud, vivido por Harvey Keitel (que já era idoso em 1977), tanto de maneira externa ao colocar os personagens dentro do contexto da queda e exílio de Napoleão.
Napoleão de certa maneira vive no espírito conflituoso de Feraud, que desafia D'Hubert para luta por um motivo bobo apenas porque enxerga algo no seu "inimigo" que ele não tem, enquanto D'Hubert representa a ideia de alguém que está lutando apenas porque é seu trabalho e por isso pode se adaptar a um mundo que continua sem Napoleão.
Se Napoleão era visto como um conquistador que estava sempre disposto a lutar, Feraud não pode ser menos do que isso e por isso não descansa até ver seu inimigo, uma inimizade que cria em sua própria cabeça apenas para exercer seu poder de violência, morto ou ao menos incapacitado de continuar a lutar.
A forma com que o roteiro constrói esses conflitos é que torna tudo mais interessante, ao contrário do que costumamos ver em grandes blockbusters onde existe uma busca incessante pelo mais e maior, aqui as coisas vão se tornando menores, apesar de mais violentas, ao mesmo tempo em que o cansaço daquela situação cresce de forma mais exponencial do que a raiva.
O final acaba também ressaltando essa ideia de uma luta que acontece tanto no pano de fundo da queda de Napoleão, como na luta entre Feraud e D'Hubert, já que assim como aconteceu com Napoleão, é retirado de Feraud o que ele tem de mais importante, a honra.
A honra é muito bem representada aqui quase como esse objeto fisico que precisa ser segurado o tempo todo por duas pessoas, ao mesmo tempo em que só pode ser segurada por um único ser, como algo instintivo. Para Feraud significa algo pior do que a própria morte, significa estar morto em vida, enquanto para D'Hubert, novamente, significou uma parte do seu trabalho, seja como soldado, seja como general, por isso somente quando D'Hubert se livra dessas nomenclaturas e se torna um homem aposentado, ele pode também se livrar daquele conflito, daquele cálice.
Como diria Chico Buarque: Pai, afasta de mim esse cálice.
Feraud não percebe que esse cálice metafórico se sustenta pelo equilíbrio, e quando seu inimigo solta um dos lados, não há mais equilíbrio, não há mais cálice, não há mais nada além da falsa ideia de provação através da violência que sustentava um ser.
Nisso tudo também é preciso destacar quão bem coreografada são as batalhas e como os efeitos práticos são bons, existe um momento no meio do filme onde um personagem arranca um pedaço da pele do outro que é tão real que dói na gente, quem viu sabe bem do que estou falando...
Entre esses duelos também há uma tentativa de estabelecer algumas relações amorosas do protagonista, que acabam não funcionando tão bem porque há pouco tempo de tela para isso, o que pode acabar se tornando o calcanhar de aquiles do filme para quem espera ver esses personagens desenvolvidos de outra maneira.
Ainda falando sobre isso, de certa forma Os Duelistas acaba sendo a antítese de outro filme mais recente do diretor Ridley Scott, O Último Duelo, onde você tem esse desenvolvimento maior dos personagens através dos diálogos, mas somente uma única cena de batalha.
Fica a dica de uma boa sessão dupla caso você ainda não tenha visto nenhum dos dois filmes.
Quer outra dica? Assine o Revisionando e ajude esse projeto a não ser exilado como Napoleão.
Ótimo texto. Melhor que o filme.
Excelente texto!! Parabéns