The Bear: Terceira temporada
O urso retorna discutindo as diferentes relações de trabalho.
The Bear teve sua primeira temporada lançada em 2022, e lá na sua primeira parte se destacou principalmente pela maneira que conseguia representar a ansiedade dentro de um ambiente caótico, uma cozinha de restaurante.
A forma com que a série ia equilibrando (ou desequilibrando) essa ansiedade do ambiente com a ansiedade de Carmy, conversa diretamente com a forma com que a série se permite sair cada vez mais do micro, e partir para o macro, algo que foi ensaiado na segunda temporada quando o foco sai do Carmy e se expande para toda aquela gama de personagens, e que se consolida de vez nessa terceira temporada.
Podemos dizer que a primeira temporada é sobre como Carmy enxerga aquele mundo da culinária, e a segunda passa a ser como seus colegas enxergam esse mundo, mas não só isso, como também a maneira com que elas enxergam o próprio Carmy...
Por isso acho que chamar cada temporada de capítulo, como a série costuma fazer, denota novos sentidos a narrativa. Se Carmy surge na primeira temporada quase como um cavaleiro branco que vai salvar o restaurante do irmão que acabou de falecer, a segunda diz "Calma ai, as coisas não são bem assim." e demonstra que sem união eles não vão para lugar algum.
Com esses dois paralelos bem estabelecidos, agora nessa terceira parte vemos as coisas tentarem se fundir.
Obras-primas paralelas
Antes de falar da temporada toda, preciso dar destaque para dois episódios, que estão até meio distantes na temporada, mas que conversam muito bem, o primeiro episódio que tem Carmy como protagonista, e o episódio seis, protagonizado por Tina.
Mas falemos primeiro de cada um de forma isolada, e a história ira tratar de uni-los.
O primeiro, chamado brilhantemente "O Dia Depois Daquilo" pela Disney, e que depois foi alterado para uma tradução mais literal de "Amanhã" tenta juntar os dias que vieram após os momentos que definiram a vida de Carmy, a ida para Nova York após a morte do irmão, os primeiros dias de trabalho com a chefe Terry, e por último o dia após ele ficar preso no freezer.
Como já havíamos visto algumas vezes na segunda temporada, The Bear escolhe alguns episódios para nos tirar dessa correria e nos servir contemplação, o primeiro episódio faz isso logo de cara, afinal a temporada anterior tinha terminado em chamas.
É preciso que se fale antes da montagem, pois unir todos esses momentos de uma forma que a série vai e volta sem muito apego a linha temporal e ainda sim consegue ser extremamente clara de onde está, é mais um dos grandes, se não o grande momento da série até agora.
Nesse episódio então entramos na mente desse gênio que parece nunca ter muito o que dizer e por isso essa contemplação é importante, já que é no seu olhar que passamos a entender as inúmeras complexidades da sua mente e das suas relações. Estamos diante da síndrome do gênio que é completamente imbecil, coisa que não é novidade no mundo do cinema e das séries, e colocar esse como o ponto de abertura da temporada também é como humanizar essa figura, já que o que vem depois por parte do personagem é completamente insano.
Quanto mais Carmy tenta revisitar esse passado, mais ele o ressignifica, porém o ressignifica maneira torta...
O seu "dom" então vai se tornando uma maldição.
Do outro lado, no episódio seis, conhecemos um pouco mais da história da Tina, que ao contrário de Carmy não tem nenhum dom muito especial, até porque em boa parte do tempo está mais preocupada em sobreviver. Olhar para Tina nesse episodio é como olhar para grande parte dos trabalhadores no Brasil, sem muitas oportunidades, pegando condução, saindo cedo de casa e voltando tarde, e mesmo assim não conseguindo pagar todas as contas.
E por mais que exista essa problematização do trabalho por parte da série (com toda razão) também existe um outro lado que não deixa de ser mostrado aqui quando muitas vezes estamos buscando trabalhar para preencher um sentimento de inutilidade perante o mundo.
Quando Tina perde o seu emprego, vemos sua difícil busca para poder preencher esse vazio, mas também para ajudar sua família.
O primeiro episódio da temporada e esse sexto episódio se conectam por uma cena, e se conectam também por esse contraste entre alguém que tem o dom para algo, e por isso inevitavelmente cresce dentro do mercado a ponto de se tornar obsessivo, e outra pessoa que trabalha por um motivo mais prático, sobreviver.
Como é dito pela personagem na belíssima conversa que tem com Michael, saber o que quer da vida é uma das melhores sensações do mundo, e não saber é cruel.
Mas de novo, a vida se faz da união.
Um cardápio inteiro
Assim como Carmy se propõe a fazer um cardápio diferente por dia, a série também segue essa linha...
Após esse primeiro episódio contemplativo e com pouquíssimos diálogos, temos um segundo episódio que coloca todos os personagens principais num mesmo ambiente e tem diálogos o tempo todo, no terceiro vemos a rotina do restaurante no primeiro mês, e no quarto temos um funeral.
Essa troca propõe a oportunidade de trabalhar com personagens diferentes em foco, mas também com temáticas diferentes, tanto Carmy quanto Sidney sofrem de ansiedade, mas a forma com que cada um reage a isso é diferente, e até mesmo a maneira com que a série aborda cada situação, é diferente.
E não para por aí, vemos em Marcus alguém tentando lidar com a dificuldade de estar sozinho no mundo, no primo Rich vemos ele continuar tentando encontrar qual é exatamente o seu papel naquela história toda, e aqui temos até mesmo a oportunidade de ver um pouco mais de Sugar, prestes a dar luz e lidando com o medo de ser uma mãe igual sua mãe foi um dia.
Ainda que essa temporada fique um pouquinho abaixo das outras duas, principalmente por deixar a sensação de que estão segurando algumas tramas para o futuro, a série consegue continuar se expandindo sem jamais deixar sua essência de lado, e mesmo que alguns elementos da linguagem sejam até um tanto obvios, como os cortes rápidos, ou os close-ups que reiteram a tensão, esse continua sendo um prato muito bem-vindo porque sempre existe nele alguns momentos que se superam, nesse caso os episódios 1,6,8.
Pefeita análise. Concordo com tudo e a escrita tá lindíssima.
Ela não ficou abaixo. É pefeita. É como um bom vinho, ela está respirando para ser saboreada na próxima temporada.