Vivemos num mundo culturalmente cada vez mais globalizado, onde coisas que eram vistas como chacota ou piada por algumas culturas passam a se tornar consumíveis por grande parte dos espectadores ou ouvintes de todos os lugares do mundo. O melhor exemplo disso talvez sejam os doramas ou os k-dramas, séries asiáticas com histórias curtas, mas que em questão de linguagem se assemelham mais às novelas. Essas obras foram alçadas à fama muito por conta da Netflix, que acabou virando praticamente a casa dos doramas no mundo todo.
Acontece o mesmo com outras produções asiáticas, e também com o cinema sul-americano, ainda que seja um fenômeno menor em questões de audiência.
Partindo desse ponto, não é interessante pensar que dentro dos streamings estamos abertos a tantas coisas novas, mas reviramos os olhos quando algo não sai como esperado num filme da Marvel, DC ou em universos como o de Game of Thrones e Senhor dos anéis?
A culpa é nossa?
Sim, e não.
Se você tem um filho e todo dia dá uma barra de chocolate para ele comer e de repente num dia você chega com um chuchu (pegou a referência?) a culpa é sua ou da criança que se nega a comer aquele chuchu?
Todo gosto é construído, inclusive o cultural e inegavelmente grande parte do que consumimos ao longo dos últimos cem anos vem de Hollywood e seus derivados, talvez existam alguns países que sejam exceções, mas no Brasil sempre foi assim, seja com a sessão da tarde ou com a tela de sucessos, fazendo com que nós nos tornemos viciados que alimentam uma indústria e fazem a roda girar.
Basicamente os grandes estúdios notam cada vez mais que se você trocar o chocolate pelo chuchu, as crianças vão buscar o chocolate em outro lugar, e assim como quem visita um lugar novo para comprar chocolates está aberto a novas experiências, quem quer o chocolate antigo, quer continuar sentindo as mesmas coisas.
Apesar da analogia parecer boba, ela talvez explique o porquê do sucesso de produções fora do eixo de Hollywood e os sucessivos fracassos da indústria americana, ou mesmo seus sucessos.
Copia, mas não faz igual, ou Pinguim e Duna: A Profecia
As duas produções têm algo em comum, elas são grandes saladas.
Isso pra não citar outros exemplos como Furiosa ou Deadpool e Wolverine, ou A Substância.
Nada na arte se cria, tudo se copia.
Apesar da frase ser bem conhecida, parece que temos confundido ela ao longo da sua existência. Tudo se copia, mas nem tudo é uma cópia, já que a arte é uma junção de coisas que já existem, que juntas formam algo novo.
Só nesse ano temos duas obras que claramente beberam de outras fontes, uma que funcionou muito bem, e outra que beira o desastroso.
A que deu certo, como você pode imaginar, é Pinguim, série mafiosa sobre o vilão visto em The Batman que não esconde que se baseou em outras grandes obras do crime como Breaking Bad, Cassino e Sopranos. Não precisamos de VAR para perceber que o Pinguim do Collin Farell é inspirado em Tony Soprano e Victor em Jesse Pinkman.
Apesar disso, a série usa as referências como elas deveriam ser usadas, como referências, se desvencilhando rapidamente desse vínculo ao abordar narrativas e temáticas diferentes, ou pelo menos de forma diferente. A série se beneficia de estar contando a história de um vilão que ninguém se importava para não ter que se preocupar com o fã chorão que acha que tudo que está no quadrinho ou no livro é perfeito.
Se temos visto as mesmas coisas em embalagens diferentes, Pinguim é exatamente o contrário, entrega algo minimamente diferente dentro de uma embalagem que inicialmente parece igual.
Do outro lado temos Duna: A Profecia, eu sei, a série ainda não terminou, mas nesses dois primeiros episódios fica claro que a ideia é ser o mais Game of Thrones possível, mais especificamente A Casa do Dragão, tentar se equivaler nas tramas politicas, no sexo ou no choque que fará você ter curiosidade de ver o episódio seguinte.
A qualidade dos diálogos e a complexidade dos personagens está tão abaixo dos filmes dirigidos por Denis Villeneuve, ou mesmo de A Casa do Dragão (que nem sou fã) que tudo ali parece servir para emular outras coisas. Se você muda um elemento aqui, outro ali, pronto, temos outra série derivada de GOT.
É o auge do que já foi reciclado tantas vezes que não tem mais salvação.
O pior de tudo isso é olhar para o lado e ver a indústria da referência crescendo mesmo a contragosto, e crescendo através de uma nostalgia que nem esperou a saudade bater para voltar, como os live actions de Moana, Como treinar o seu dragão ou a série de Harry Potter que vai recontar a história já vista nos primeiros filmes.
Assim, seguimos construindo um amanhã igual hoje e um ontem igual sempre, entre chuchus, chocolates e nostalgia.
Boa, Luizin, excelente reflexão. Não entendi a referência, mas imagino que eu seja o guri do chocolate, logo não devo saber mesmo de onde vem o chuchu